Os artigos em questão são tapetes de palma entrançada (empreita). Na linguagem popular chamam-se capachinhos (como é normal este termo tem variações etnográficas alternando entre Capachinho/a, Capacho/a e por vezes esteira ou tapete). O capachinho faz parte da memória popular sendo evocado na frase “podemos não ter nada mas há sempre o capachinho e a boa vontade”. A frase refere-se ao costume de improvisar uma cama para acomodar visitantes colocando um capachinho no chão coberto por um colchão ou várias mantas na ausência de camas para hóspedes. Os capachinhos também eram utilizados como tapetes ou para se sentar em cima nas casas mais carenciadas (Marreiros, 1995).
A confecção destes artigos envolve uma técnica em que as fibras vegetais são entrançadas ou entrelaçadas para formar a baracinha, uma espécie de trança espalmada a partir da qual é feito o objecto intencionado (Comunicação pessoal – informante).
A planta de que são retirados os folíolos para fabricar o referido objecto chama-se Chamerops humilis ou palmeira anã e cresce espontaneamente no Algarve geralmente no litoral. Chamerops humilis foi a única palmeira que resistiu aos cataclismos telúricos do período pós-cenozóico (Adragão, 1985). (cenozóico comporta uma era que vai dos 65 milhões até 0 milhões de anos atrás).
Mais a Oeste do Algarve a palma chegava da Espanha, Marrocos e Gibraltar nos barcos que depois levavam o sal (Marreiros, 1995).
Processo de tratamento da palma para a empreita
A palma é primeiramente colhida. As folhas são seleccionadas do centro da planta sendo estas as mais jovens e portanto menos degradadas. As folhas colhidas são postas a secar. Depois de secas, as folhas são colocadas numa solução de enxofre para as clarear. Por vezes a palma é tingida a quente passando em seguida por uma solução de água e sal para fixar a cor. Finalmente a palma é ripada para obter a grossura desejada. As folhas mais grossas são utilizadas para fabricar vassouras (Bonnet, 1990).
A empreita é sub-dividida em duas categorias, a empreita fina e a empreita grossa. A empreita fina designa peças de acabamento mais pormenorizado e delicado, são peças mais trabalhadas como por exemplo chapéus. A empreita grossa designa artigos de trabalho mais simples e rudimentar como por exemplo cestos e vassouras. A própria palma utilizada na empreita fina tem uma largura menor do que aquele que é usada em artigos de empreita grossa (Comunicação pessoal –informante; Bonnet, 1990)
A actividade de entrançar fibras vegetais para fazer artigos de uso domestico tem origem em tempos quase intraçaveis. Um zote (semelhante ao cesto das línguas português) encontra-se gravado num baixo-relevo do museu do Cairo encontrado nos túmulos de Nakht e Ipouy. Uma armadilha para apanhar moreias praticamente igual á nassa portuguesa foi detectada gravada numa moeda Bizantina do século III. (Livro As Idades do Mar, 1999).
O trabalho de empreita de palma e mesmo o de entrançar outras fibras vegetais (esparto, vime e cana) é um conhecimento que existe no Algarve desde de tempos remotos sendo de introdução árabe (Marreiros,2002). As primeiras referências em Portugal á empreita encontram-se em documentos do século XIII. Naquela altura os objectos de empreita marcavam uma presença significativa nas feiras regionais como a de Lagos (Martins, 1987). Durante a referida época a empreita confeccionada em Lagos e arredores era exportada para fora da região e do país sendo vendida por exemplo em Gibraltar e Cadiz. (Martins, 1987).
Os artigos de palma eram geralmente feitos por necessidade, serviam uma função utilitária e complementavam em certos casos o rendimento familiar, sendo vendidos ou trocados por outros produtos. A actividade da empreita, em que eram manufacturados artigos como cestos, vassouras, tapetes etc., era geralmente exercida por mulheres á noite durante os tempos livres ou quando o trabalho agrícola encontrava-se sazonalmente reduzido (Adragão, 1985, Raposo, 1990)
No passado (cerca de 60 anos atrás) era frequente ver indivíduos fazendo empreita e outros trabalhos manuais á soleira da porta de casa. Por vezes juntavam-se pequenos grupos de pessoas executando trabalhos manuais, conversando, cantando ou discutindo (Vilas e Aldeias: Algarve Rural, 2003, Raposo, 1995). Durante estas ocasiões as jovens aprendiam a técnica de fazer empreita ( Comunicação pessoal- informante).
Devido á necessidade de auto-confeccionar artigos de uso quotidiano a técnica de manufactura era transmitida ás gerações seguintes. Se algum artigo faltasse numa casa havia geralmente alguém na vizinhança (ou na próxima) que sabia faze-lo, ás vezes era esse saber fazer tornado em ofício que depois baptizava o indivíduo e os seus descendentes passando de alcunha para nome de família. Existia inclusivamente os artesãos ambulantes que circulavam o país vendendo os seus produtos (Bastos,1991, Paula, 2001)
Artigos de uso doméstico; facas, cestos, alguidares etc., eram escassos no mercado ainda rudimentar e o dinheiro era pouco usado (Comunicação pessoal - informante). Esta situação começa a transformar-se em meados do século passado com o espalhar do consumismo e comercialismo (Marreiros, 1999). O hábito de comprar os artigos necessários em lojas e supermercados aumentou, enquanto o saber do fabrico caseiro diminuiu.
A empreita é uma actividade importante do artesanato Algarvio e embora encontra-se actualmente reduzida quando comparada com épocas anteriores a 1960, ainda há quem se dedica a esta actividade chegando mesmo a profissionalizar-se mas de forma que os lucros apenas complementam os principais rendimentos (Adragão, 1985, Marreiros 1999). Os indivíduos que se envolvem na empreita são geralmente de uma faixa etária que ultrapassa os cinquenta anos, existindo raras excepções. (Martins, 1989)
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Na cidade de Lagos e pequenas povoações do seu concelho ainda se encontram artesãos que fazem empreita de palma vendendo os seus produtos nos mercados semanais (Bago D’Uva, 2004, Martins, 1987. 1988, 1989). Tem havido iniciativas por parte de algumas entidades, apoiadas pelas câmaras municipais, de assegurar a continuação de tais artesianas por meio do aprovisionamento de cursos em que são ensinadas (Marreiros, 1999).
A palavra empreita tem a sua origem no termo implicta do Latim que significa "entrançado"( Dicionário da Língua Portuguesa, 1990). Implicare é o verbo “entrancar“ (www.dictionary.reference.com/browse/implicate). Empreitada significa obra que é paga após a sua realização e entrega (idem,1990) tal como os objectos de empreita o são. O termo empreitada que se utiliza todos os dias especialmente na construção e que se tornou um termo técnico e legal deriva da actividade de entrançar fibras vegetais.
segunda-feira, 5 de julho de 2010
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